setembro 29, 2011

A entrevista de Cavaco ou a desvalorização do cargo

Após primeira entrevista de Cavaco no seu segundo mandato fica-se com uma sensação: o presidente da República não sabe quais são os poderes presidenciais. Nem ele, nem a entrevistadora. Não se compreende como é que uma entrevista destas tenha focado, quase em exclusivo, a política económica do país na qual o PR não tem responsabilidade nenhuma. Não se percebe como é que, por exemplo, o tema das secretas, que põem em causa o regular funcionamento das instituições do Estado, não tenha sido abordado já que o PR é o principal garante desse funcionamento.

Durante a entrevista, e a propósito de economia, Cavaco teve a primeira oportunidade para se vingar de Sócrates: referiu várias vezes que o anterior governo tomou políticas erradas e que não acatou conselhos (privados) que ele próprio terá dado. O que se tem que perguntar ao PR é o seguinte: se desde 2006 que sabia que iríamos estar na situação actual, se sabia que o governo estava a tomar medidas erradas, porque não informou claramente o país destes factos e porque não demitiu antes o governo?

Para além deste ajuste de contas, Cavaco teve a oportunidade de "brilhar" com os números que tanto gosta. Elaborou teorias, revelou preocupações e mostrou-se determinado na evolução da economia portuguesa. Mais parecia o 1º ministro. E isto é revelador da forma como Cavaco quer encarar o seu segundo mandato: Passos Coelho vai ter rédea curta. E, como foi a primeira vez que tivemos oportunidade de ouvir o PR sobre a troika, percebemos que Cavaco desejava humidamente a entrada do FMI em Portugal. Porque tudo o que está no acordo não se pode contestar. Excepto a TSU porque dá jeito. Uma subserviência aos mercados que não surpreende vindo de quem vem.

Quanto à Madeira, mais uma prestação fraquinha. Da entrevistadora e do entrevistado. Judite de Sousa não lembrou uma única vez a filiação partidária nem as várias campanhas que Jardim e Cavaco fizeram juntos, já para não falar nas visitas presidenciais àquele arquipélago. Cavaco conseguiu passar pelos pingos da chuva sem nunca condenar veementemente as irregularidades e o funcionamento das instituições na Madeira.

Já quase no final da entrevista, parecia que estava a ter uma visão do passado: Cavaco a defender que Portugal tem que voltar a ser o bom aluno da Europa. Já vimos este filme e já sabemos como acaba.

Um presidente que considera que as mensagens de ano novo são a forma mais eficaz de fazer política que tem ao seu dispor é revelador do entendimento que Cavaco tem do cargo e profundamente preocupante para a credibilidade desta instituição.

setembro 28, 2011

A esquerda está parada

Após 100 dias de governo PSD-CDS, com a troika instalada em Portugal, com aumentos de impostos, com desemprego em alta e sem crescimento económico, não deixa de ser impressionante que o 1º ministro e restante executivo tenham, nas sondagens que saíram nos últimos dias, uma taxa de aprovação muito alta.

Não foram 100 dias fáceis. Como se calculava, foram tomadas medidas contra o discurso proferido na campanha eleitoral e que afectam na pele milhões de portugueses que já têm a corda ao pescoço. Mas apesar disto, o eleitorado parece disposto a aceitar estes sacrifícios e acredita que o rumo do governo é acertado. Não é por acaso que todos os ministros quando falam aos jornalistas referem sempre o pormenor dos "85% dos eleitores que votaram em partidos que subscreveram o programa da troika". O discurso da inevitabilidade da austeridade pegou firmemente.

E a oposição? O PS está preso ao acordo e a uma liderança patética que durará dois anos, para não falar numa bancada parlamentar muito fraca e claramente comprometida com o consulado Sócrates - Seguro terá muita dificuldade em marcar a agenda política. O PCP não muda o ADN e, por isso, não se espera muito mais do que temos visto e ouvido nos últimos 25 anos. Resta o Bloco. Que, apesar de ter tido uma humilhante votação em Junho, não fez nenhuma mudança significativa na sua intervenção política. As principais figuras mantêm-se e a forma de fazer política é idêntica: ou seja, nada parece ter mudado.

Não se pode ser derrotado como o Bloco (e a esquerda) foi e não haver alterações. Pode-se contra argumentar dizendo que mais vale isso do que alterações de "fachada". Provavelmente. Mas a ideia que o Bloco dá aos seus eleitores e ao eleitorado de centro-esquerda é que é um partido meramente de protesto, incapaz de encontrar consensos e que a oposição a um governo PS é exactamente igual a um governo PSD-CDS que, como se sabe, está bem mais à direita em muitos aspectos do que o anterior executivo.

A esquerda está, portanto, fechada sobre si própria à espera que o descontentamento dos portugueses aumente e que vá cair no colo dos protestos comunistas e bloquistas. Será a melhor estratégia? Duvido.

setembro 19, 2011

A falência de valores partidários

Ao fim de 30 anos é difícil uma pessoa ficar impressionada com notícias sobre o regabofe na Madeira. João Jardim é uma personagem sinistra, um ditador da pior espécie, populista e demagogo, que construiu naquele arquipélago um feudo para se sustentar e distribuir pelos mais próximos. Omite dívida? Esconde contas? E qual é a surpresa?

O que também não é surpreendente é a passividade dos agentes políticos portugueses. Que os madeirenses, na sua larga maioria, gostem de Jardim a mim não me espanta. Porém, o PSD nacional tem estado calado desde que Jardim chegou ao poder e ofereceu ao partido grandes resultados eleitorais, não só nas eleições regionais, como nas legislativas. Todos os líderes do PSD foram ao beija-mão de Jardim, distribuindo beijos e abraços no Chão da Lagoa. Ferreira Leite, Marques Mendes, Passos Coelho, Menezes, Marcelo, Durão, Santana Lopes, nenhum destes se esquivou à fraternidade de conveniência com o tirano madeirense.

Mas mais grave ainda é a condescendência com que os presidentes da República - Soares, Sampaio e Cavaco - têm tratado João Jardim. Chegam ao ponto de serem tratados abaixo de cão em território madeirense sem darem qualquer réplica.

O comportamento de Cavaco nas últimas semanas tem sido confrangedor. Aquele que não perde uma oportunidade para falar das misericórdias, que põe em sobressalto o país por causa do estatuto dos Açores, que alucina com escutas em Belém, não tem uma palavra sobre as loucuras de Jardim.

Os episódios que envolvem Jardim, para além de nos dizerem que ainda há tiranos na Europa, ilustram outra coisa bem mais importante: a falência de valores a que chegou um dos principais partidos em Portugal. E isto é ainda mais grave quando vemos que o outro principal partido também não é nenhum santinho em questões idênticas.

setembro 14, 2011

Um líder vazio


O último congresso do PS foi absolutamente vazio. Tanto ao nível das ideias e propostas - zero - como na postura do novo líder. António José Seguro estava a precisar deste congresso para se começar a afirmar no debate político mediático. E o que fez ele? Como bem descreve o Filipe Moura no Esquerda Republicana, um espectáculo mediático de baixo nível nos bastidores das televisões, uma espécie de olhem-que-simpático-que-o-novo-líder-do-PS-é-ao-contrário-do-anterior. E foi este episódio o mais relevante do congresso porque, se olharmos para as suas palavras, o cenário é desolador.

Para quem esteve tanto tempo a preparar-se para ser líder, para quem já tinha ganho as eleições há mais de um mês, para quem prometia uma mudança na forma de fazer política, então este congresso foi a prova que Seguro é um grande flop do Partido Socialista. Não se pode sair de um congresso sem nada de concreto para apresentar ao país. Não se pode eleger o combate à corrupção como grande desígnio e não dar uma pista sobre como o fazer. Não se pode dizer que se vai fazer política nova adoptando todos os tiques e abraçando as mesmas pessoas do passado.

O que fica deste congresso é que o líder do PS é o seguro de vida do governo e da troika.