dezembro 22, 2011

Sobre o tratamento noticioso da auditoria cidadã

Nos últimos anos, principalmente na televisão, temos assistido a uma crescente difusão da propaganda anti-políticos. Não é que os governantes portugueses sejam exemplares, longe disse, mas o discurso populista contra a classe política tem vindo a ser cada vez mais forte, e não só em campanhas eleitorais. As televisões, principalmente estas, têm contribuído muito para que se instale um generalizado discurso anti-políticos, basta ver o exemplo de Medina Carreira que dispõe, há uns a esta parte, de vários programas de televisão e muito tempo de antena para desancar nos políticos e não apresentar soluções. 

E aliado ao discurso anti-políticos, nos media vê-se muitas vezes vários lamentos sobre a fraca actividade cívica dos portugueses e sobre a excessiva dependência que a nossa democracia tem dos partidos políticos. Quantas vezes não ouvimos ou lemos apelos para que os cidadãos possam organizar listas independentes à Assembleia da República, por exemplo? 

No fim de semana passado, em Lisboa, um conjunto de cidadãos de diferentes áreas reuniu-se numa Convenção para aprovar uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública. Seguindo exemplos realizados noutros países, como na Grécia, estes cidadãos, alguns deles oriundos de partidos políticos mas ali não representando nenhum deles, juntaram-se para promover um debate e uma iniciativa que consideram fundamental para ultrapassar os problemas que atingem neste momento o país.

Não estão aqui em causa as razões que levaram esses cidadãos a realizarem tal iniciativa. O que é relevante assinalar é que se tratou de uma iniciativa cidadã e, em Portugal, foi um dos melhores exemplos que tem havido de articulação entre cidadãos a fim de encontrarem soluções para o futuro político do país. E quanto ao impacto nos media desta iniciativa?

Pois é aqui justamente que eu quero chegar. As poucas notícias que houve sobre esta iniciativa foram breves e sem o impacto necessário para que uma boa parte dos portugueses tivesse conhecimento do evento. Aqui ou ali aparecerem alguns dos seus promotores, houve breves notícias mas nada de relevante. 

Eu pergunto: se Medina Carreira fosse um dos promotores desta iniciativa, quanta tinta correria nos jornais? Mas como se trata de cidadãos cujo pensamento raramente entra no circuito mediático, já não interessa nada. O que interessa é o pensamento único.

dezembro 19, 2011

Crónica de uma morte anunciada

Passos Coelho e seus colegas de governo entraram em força, cheios daquela moralidade bacoca. O ar condicionado, as viagens em 2ª classe, o número reduzido de ministros, o pin na lapela, o ar sério com que se dedicam à causa pública. Para trás, ficava uma campanha eleitoral memorável, cheia de promessas e de garantias num futuro melhor. Durante vários meses ouvimos Passos e companhia jurarem a pés juntos que tinham tudo estudado - até a TSU, vejam lá -, que os impostos não iam subir, que os mais ricos iam pagar a crise, que a crise não poderia servir de desculpa para nada, que não iam recorrer a fundos de pensões para mascarar o défice, que era importante o crescimento, que uma política de privatizações que visasse apenas o arrecadar de dinheiro seria "criminosa", que, reparem bem, não olhavam para as pessoas que ganham 1000€ como cidadãos ricos, que não iam para o governo para dar empregos ao PSD. Passados seis meses, o estado de graça do governo é uma miragem e ficou paralisado nas medidas simbólicas.

Sem rumo, sem ideias, o governo de Passos Coelho comporta-se como um director-geral da empresa Merkozy, reportando os dados e fazendo tudo sob orientação franco-germânica. Marimbou-se para as suas promessas em campanha, onde tinha garantido que era importante valorizar a palavra. Mas, para além de desvalorizar tudo o que disse há menos de um ano, desvaloriza os portugueses. Ao convidar os professores portugueses a emigrarem para os países lusófonos, Passos revela que não tem nenhuma ideia de como resolver os problemas do país. As pessoas já estão habituadas a governantes que fazem o contrário do que prometem, mesmo que tenham garantido solenemente, como é o caso, que isso não aconteceria. Mas de governantes que desistem do país, que desmantelam todos os serviços públicos e que, ao mesmo tempo, aumentam os impostos, destes governantes os portugueses não estão assim tão familiarizados. 

E, passados seis meses, com um governo fraco cheio de ministros medíocres, com Portas em viagens secretas, com o desemprego a subir, sem crescimento à vista, Passos Coelho tem o futuro hipotecado. Cavaco, apesar dos seus defeitos, não está sentado em Belém à espera do final de mandato. Já viu que não há uma oposição a sério a este descalabro e perante um cenário catastrófico - que ele ajudou a criar - vai ter que intervir. Mais rápido do que julgam os portugueses e o próprio governo. 

dezembro 15, 2011

É isto o PS - refém de Sócrates

Bastou que Sócrates dissesse alguma coisa em público - aquela história do pagamento da dívida ser "uma ideia de criança" - para que algumas figuras do partido, saudosas do seu ex-líder, viessem dar continuidade à versão de Sócrates.

Pedro Nuno Santos, uma das "jovens esperanças" do partido, disse num jantar de natal do PS que se estava a marimbar para os credores, que havia "uma bomba atómica": não pagar. Claro que já veio dizer que as declarações foram retiradas do contexto, que o que queria dizer era que defendia os interesses portugueses em vez dos interesses alemães.

Mas este PS passou os últimos meses a defende o acordo com a troika. Aliás, foram eles que o pediram e que o negociaram. Onde é que no acordo da troika está a defesa dos interesses nacionais?

Pedro Nuno Santos acrescentou ainda que os países periféricos se deviam unir, tal como fazem Merkel e Sarkozy. Terá dado esta dica a Sócrates, o seu querido líder, que enquanto primeiro-ministro não fez um esforço para essa tal união periférica?

É isto o PS. Um partido onde os seus membros raramente fazem o que pensam. Porque quando têm responsabilidades não assumem as suas opções.

dezembro 05, 2011

Ao serviço de Merkel e Sarkozy

Passos Coelho voltou a reforçar ontem uma ideia que ilumina a cabeça dos membros do governo, da maioria que o sustenta e dos "tudólogos" que saltitam na televisão e restantes media: a culpa da crise é apenas portuguesa.

Esta postura demonstra bem de que fibra é feito este governo. Perante a crise na Grécia, na Irlanda, em Itália, em Espanha, na Bélgica e a chegar a mais países europeus, há portugueses que têm a lata de não querer saber disso e de serem orgulhosamente os capatazes de Merkel e Sarkozy, obedecendo escrupulosamente às regras do eixo franco-alemão.

Mas ontem houve outro acontecimento que, mais uma vez, vem demonstrar que o caminho seguido e ditado pela UE não é o correcto e que há, de facto, uma grave crise europeia. A Irlanda, aquele país que já recorreu ao FMI mas que era apresentado como um bom exemplo pelo nosso Relvas e companhia, anunciou ontem mais um plano de austeridade já que as políticas até agora seguidas não estavam a dar frutos. Bem sei que não há enviados-especiais das televisões mas bem que os nossos responsáveis podiam ter menos descaramento na forma como falam de exemplos. No anúncio de ontem, o 1º ministro irlandês, ao contrário de Passos Coelho, remeteu as culpas da crise irlandesa para...a incapacidade de decisão dos responsáveis europeus.