março 10, 2011

O discurso de Cavaco


Cavaco entrou no segundo mandato da forma que anunciou: activo. Um discurso político, fortemente centrado nas questões económicas e cheio de referências estatísticas, um momento para sinalizar a sua nova forma de intervenção. Ninguém duvida de que Cavaco pensa mesmo aquilo e que o inquieta fortemente o rumo que o país está a tomar. Mas sobram algumas questões.

1- Onde é que esteve este Cavaco que, como 1º ministro, optou pelos caminhos que agora parece detestar? Falo das obras públicas, das parcerias público-privadas, da pouca transparência nos negócios.

2- Onde é que esteve este Cavaco durante os últimos cinco anos em que foi presidente da República, em que raramente se pronunciou sobre o rumo do país? Sim, disse que estávamos a entrar numa situação explosiva numa mensagem de Ano Novo. Mas qualquer um concorda que o discurso de ontem teve muito mais força e relevância do que esse. Onde é que esteve Cavaco na altura de promulgar os Orçamentos da austeridade que patrocinou através do seu fiel Catroga? Quantas mensagens à Assembleia mandou? Quantas vezes parou o país para alertar sobre o rumo deste? Pois, nenhuma. E ontem queixou-se da austeridade.

3- Lembram-se do discurso de tomada de posse de Cavaco em 2006? Pois aí, o presidente traçou também ele um diagnóstico e apontou o caminho a seguir. Falou em "convergência estratégica" e disse que ia "acompanhar com exigência" o exercício do governo. Apontou ainda cinco desafios: a) políticas para o desemprego e crescimento económico, b) recuperação dos atrasos em matéria de qualificação dos recursos humanos, c) reforço da credibilidade e eficência do sistema de justiça, d) a sustentabilidade do sistema de segurança social e f) a credibilização do sistema político. Passados cinco anos, como está o país nestes cinco aspectos? O que fez Cavaco para inverter a situação? O que fez pela Justiça? Pois, estamos conversados (não sei como é que nenhum candidato presidencial pegou neste discurso).

4- Cavaco apelou ontem à juventude para se mobilizar na luta por um país melhor. Eu sou novo mas lembro-me bem quando os jovens se manifestaram durante o seu consulado em São Bento e sei muito bem como foram recebidos: à pancada. Na altura, Cavaco pouco se importou com os jovens. Que legitimidade tem agora para vir apelar a mobilizações dos que sempre desprezou?

5- O discurso de Cavaco centrou-se, claramente, nas questões económicas. Voltamos a observar um presidente da República que não tem qualquer ideia para a Europa, nada que não seria de esperar, mas que envergonha sempre.

A estas questões junta-se uma outra que tem a ver com o cargo de presidente e os seus moldes. Já aqui várias vezes defendi que considero a existência de dois mandatos presidenciais um erro do nosso sistema político. Ao olharmos para os poderes que são atribuídos ao chefe de Estado, não é compreensível que ele tenha direito a ver renovados esses poderes porque o cargo de presidente da República em Portugal não tem um cariz político acentuado, logo deve ter uma postura de interesse nacional, sem nunca esquecer os seus ideais políticos, mas igualmente sem ser movido por quaisquer tácticas eleitorais.
Permitir a sua reeleição possibilita o que sempre temos observado: um primeiro mandato mais contido e sempre baseado num calculismo eleitoral; um segundo mandato sem qualquer constrangimento daquele tipo. Cavaco mostrou ontem que a tradição é para manter.

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