dezembro 14, 2010

Política italiana - um breve resumo dos últimos acontecimentos


Hoje foi mais um dia agitado em Itália. Votou-se uma moção de confiança ao governo no Senado e uma de censura ao executivo de Berlusconi no Parlamento. Se na primeira o voto favorável a Il Cavaliere estava assegurado, durante a última semana houve grande incerteza sobre o resultado da moção de censura. No fim das contas, Berlusconi ganhou por três votos, 314 contra 311. Passou assim um teste difícil. Mas é preciso recuar no tempo e explicar o porquê de tanta confusão.
Berlusconi e o seu partido - Popolo della Libertà (PdL) - ganharam as últimas legislativas em 2008. Para formar governo aliaram-se a Umberto Bossi, líder de um dos partidos mais à direita da Europa, a Lega Nord. Um partido xenófobo e federalista, praticamente com implementação a Norte de Itália -a região mais desenvolvida económica e industrialmente - onde nas últimas eleições regionais em Março deste ano conseguiu eleger dois presidentes de duas regiões, Veneto e Piemonte (em coligação com o PdL). A aliança com a Lega permitiu a Berlusconi ter uma grande maioria quer no Parlamento - 344 deputados em 630, a maior de sempre - quer no Senado (174 em 315). Com a esquerda a sofrer as consequências de um governo de coligação entre 2006 e 2008 que foi um desastre completo, pois continha demasiadas ideologias distintas, Berlusconi adivinhava, assim, um mandato tranquilo e à sua medida. Até que surgiram alguns escândalos.
O alegado envolvimento do chefe do governo em orgias sexuais, em encontros com raparigas menores, o convite a várias mulheres, todas elas sem currículo político mas conhecidas pelos seus atributos físicos, para as listas do PdL para as europeias de 2009, tudo isto foi a gota de água para o seu companheiro de sempre, Gianfranco Fini, presidente do Parlamento e conhecido por reconhecer no fascismo de Mussolini muitas virtudes. Fini, cansado dos escândalos à volta de Berlusconi, não só os sexuais mas as constantes acusações de corrupção que todos os meses enchem as capas dos jornais italianos, Fini, dizia, resolveu romper. E com ele levou vários apoiantes, entre os quais muitos deputados da coligação que sustenta o governo de Berlusconi. Estava, assim, criada a confusão.
No início, Fini e os seus apoiantes resolveram abster-se, permitindo assim ao governo continuar com uma sólida maioria. Mas o confronto entre os dois subiu de tom e Fini foi expulso do PdL. Passado poucas semanas fundou um novo partido, o Futuro e Libertà (FLI) e pediu a demissão de Berlusconi. Os deputados que agora pertenciam ao FLI deixariam de votar de acordo com o Governo e a maioria parlamentar estava em risco. No meio desta confusão toda, os ataques pessoais de parte a parte foram constantes. O presidente Napolitano, um pouco à toa, foi-se mantendo de fora. A esquerda, muito frágil quer no Parlamento quer na sondagens e com um mau resultado nas regionais de Março, resolveu apresentar uma moção de censura - em Itália, ao contrário de Espanha, não existe moção de censura construtiva.
Tudo apontava para a queda do governo na moção votada hoje. Os ataques a Berlusconi surgiam de todo o lado, e a grande acusação é a de que o presidente do conselho italiano governa para si próprio, pensando em escapar aos processos judiciais. Mas nos últimos dias fomos sabendo que Berlusconi e os seus apoiantes fizeram uma operação fortíssima no sentido de convencer alguns deputados a votar contra a moção. Primeiro viraram-se para a Unione di Centro, que conta com 36 deputados, sem sucesso. Tiveram, então, que tentar angariar votos deputado a deputado. E estas manobras resultaram num triste espectáculo hoje no Parlamento. Berlusconi chegou mesmo a abandonar a sala quando discursava Di Pietro, ex-procurador do processo Mãos Limpas, que agora é o líder do partido de esquerda Italia dei Valori. Muitos assobios, muitas injúrias - houve até gestos com o dedo do meio entre deputados - no final Berlusconi "safou-se" por três votos. Dois deles oriundos de duas deputadas que estavam com Fini mas que anunciaram hoje que tinha voltado ao PdL - alguns apoiantes de Fini já vieram dizer que uma delas foi ameaçada com o encerramento de empresas suas. O outro voto foi de um deputado do Partido Democrata, centro-esquerda, que se juntou ao Governo. E houve ainda deputados que pertencem ao partido de Di Pietro - um dos mais ferozes adversários de Berlusconi - que votaram ao lado do governo.
E agora, o que espera Berlusconi? Fini já disse que isto é uma vitória numérica e não política. Bossi, aliado de Berlusconi, não está contente com a situação e, perante as sondagens que lhe são favoráveis, advertiu o governo de que ou arranja uma maioria estável ou então as eleições são o caminho desejado pela Lega. Berlusconi pode, assim, continuar a governar. Por quanto tempo, não se sabe. Mas ninguém duvida de uma coisa: Berlusconi já não tem espaço de manobra para muito e terá que ser rápido na busca de uma solução. Falta saber se perante uma eventual queda do governo o que fará Napolitano, o presidente. Este foi um dos grandes debates ao longo dos últimos meses. Convoca eleições? E se Berlusconi ganha de novo? Convida outro dirigente a chefiar o governo? Mas com que maioria? Um grande dilema político que terá desenvolvimentos nos próximos meses e com grande contestação na rua, principalmente junto dos estudantes.

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